quarta-feira, 2 de novembro de 2011

ORIGENS DA CIVILIZAÇÃO GREGA



Introdução

No sul da Europa, em uma região de relevo e de litoral cheio de ilhas, desenvolvemse a grande civilização grega. Uma civilização que nos deixou um vasto legado cultural, nos mais variados campos. Foi dos gregos que herdamos, por exemplo, os conceitos de cidadania e democracia.

Neste trabalho falaremos sobre a sociedade grega, sua economia, cultura e religião. A Grécia situa-se na península Balcânica, no sul da Europa. É banhada pelos mares mediterrâneo, ao sul, Egeu, a leste, e Jânio, a oeste. Na antigüidade, tinha como limite ao norte uma região denominada Macedônia.

AS TRÊS GRÉCIA

O território da Grécia antiga pode ser dividido em três grandes partes:

1. Grécia Continental à região ao norte do golfo de Corinto, localizada no interior do continente europeu.

2. Grécia peninsular à região ao sul do golfo de Corinto, a península do Peloponeso.

3. Grécia insular à região formada pelas diversas ilhas do mar Egeu e do mar Jânio, destacando-se entre elas a ilha de Creta, a maior de todas.

SOCIEDADE:

A sociedade cretense era predominantemente urbana. As ruínas encontradas revelam cidades bem planejas, com ruas, calçadas, sarjetas, lojas de comércio e casas luxuosas. Desta cavam-se, entre elas, Cnossos, Faistos, Mália e Tilisso.

A maior parte da população das cidades dedicava-se ao comércio marítimo ou as oficinas artesanais, vivendo modestamente e trabalhando para sustentar o luxo das classes altas.

Parece, no entanto, que em Creta a vida das pessoas comuns era melhor que a de outras comunidades da Antigüidade.

Vários aspectos demonstram isso:

A. A economia cretense, baseada no artesanato e no comércio, proporcionava grande número de ocupações e mais chance de escolha de trabalho.

B. “Em Creta existem poucos escravos, e eles eram geralmente estrangeiros. A
     escravidão não foi muito importante para a ida econômica cretense”.

C. “A liberdade social das mulheres cretense, liberdade não encontrada em outras regiões do mundo antigo, onde as mulheres eram semi-escravos dos homens. As obras de artes de Creta mostram mulheres passeando pelas ruas, praticando jogo e doenças, ocupando lugar de destaque nos teatros e nos circo. Eles participavam ao lado dos homens, de esportes como touradas ou lutas. Havia ainda as sacerdotisas, mais importantes do que os sacerdotes, que desempenhavam o papel principal nas cerimônias religiosas”.

Economia: (primeiro império comercial marítimo).

Os cretenses tinham uma economia rica e variada. Praticavam a agricultura, criavam animais e produziam delicadas peças em cerâmica ou metal (cobre, bronze, ouro e prata) nas inúmeras oficinas artesanais.

Mas foi no comércio marítimo que os cretense mais se destacaram. Através dele, toda produção artesanal era vendida em diversas regiões do mundo antigo, como Egito e Mesopotâmia.

Creta dominou o comércio nos mares Egeu e Mediterrâneo, criando o primeiro império comercial marítima do qual temos conhecimentos (aproximadamente dois mil anos antes dos Fenícios). A esse império dá-se o nome de talassocracia, palavra composta dos termos gregos talassos, que significa mar, e cracia, que significa poder.

Cultura e mentalidade: originalidade Devido à sua localização, a ilha de Creta funcionava como ponto de encontro entre a Europa e o Oriente Médio. Por isso o povo cretense desempenhou importante papel na assimilação de elementos culturais a Antigüidade oriental. Esses elementos depois de transformados e desenvolvidos, foram transmitidos em grande parte para a cultura grega.

Religião: os cretenses tinham uma religião matriarcal, isto é, adoravam uma deusa e não um deus.

A principal divindade era a deusa mãe, considerada a criadora de todos os seres vivos. Além de deusa mãe também cultuavam animais como o touro e o minotauro (animal mitológico), certas árvores sagradas e objetos, como a cruz. Nos cultos religiosos, matavam-se diversos animais em sacrifício oferecido aos deuses. Os cretenses acreditavam numa vida depois da morte e, por isso, enterravam os mortes com objetos pessoais e alimentos, antigos considerados necessários, para o bem estar da pessoa na outra vida.

O FILÓSOFO

A REFLEXÃO FILOSÓFICA

Reflexão significa movimento de volta sobre si mesmo ou movimento de retorno a si mesmo. A reflexão é o movimento pelo qual o pensamento volta-se para si mesmo, interrogando a si mesmo.

A reflexão filosófica é tida como radical porque é um movimento de volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer-se a si mesmo, para indagar como é possível o próprio pensamento. Não somos, porém, somente seres pensantes. Somos também seres que agem no mundo, que se relacionam com os outros seres humanos, com os animais, as plantas, as coisas, os fatos e acontecimentos, e exprimimos essas relações tanto por meio da linguagem quanto por meio de gestos e ações.

A reflexão filosófica também se volta para essas relações que mantemos com a realidade circundante, para o que dizemos e para as ações que realizamos nessas relações. A reflexão filosófica organiza-se em torno de três grandes conjuntos de perguntas ou questões:

1. ”Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e fazemos o que
     fazemos?”.

2. “O que queremos pensar quando pensamos o que queremos dizer quando falamos, o
     que queremos fazer quando agimos? Isto é, qual é o conteúdo ou o sentido do que
     pensamos, dizemos ou fazemos?”.

3. “Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, fazemos o que
     fazemos? Isto é, qual a intenção ou a finalidade do que pensamos, dizemos e
     fazemos?”.

Essas três questões podem ser resumidas em: o que é pensar, falar e agir? E elas pressupõem a seguinte pergunta: nossas crenças cotidianas são ou não um saber verdadeiro, um conhecimento? A atitude filosófica inicia-se indagando: o que é? Como é? Por que é? Dirigindo-se ao mundo que nos rodeia e aos seres humanos que nele vivem e com ele se relacionam. São perguntas sobre a essência, à significação ou a estrutura e a origem de todas as coisas.

A reflexão filosófica, por sua vez, indaga: por quê? O quê? Para quê? Dirigindo-se ao pensamento, aos seres humanos no ato da reflexão. São perguntas sobre a capacidade e a finalidade humanas para conhecer e agir.

BIBLIOGRAFIA

PRÉ-SOCRÁTICOS, Col. “Os Pensadores”, vol. 1, seleção de textos e supervisão do prof. Dr. José Cavalcante de Souza, São Paulo,
Abril Cultural, 1978.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

CHAUI, M. Filosofia, Série Novo Ensino Médio, Volume Único, São Paulo, Editora Ática, 2004.
CHAUI, M. Introdução à História da Filosofia – dos pré-socráticos a Aristóteles, Volume 1, São Paulo, Cia. das Letras, 2002.
COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia: História e Grandes Temas, São Paulo, Ed. Saraiva, 7a tiragem, 2005.
KIRK, G.S., RAVEN, J. E. & SCHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos, Lisboa, Fund. Calouste Gulbenkian, 1994.

O FILÓSOFO

terça-feira, 12 de abril de 2011

DA POESIA E DA IMITAÇÃO SEGUNDO OS MEIOS, O OBJETO E O MODO DE IMITAÇÃO


Nosso propósito é abordar este tema da poética em si mesma e em seus diversos gêneros, e dizer qual a função de cada um deles, e como se deve construir a fábula visando a conquista do belo poético; e qual o número e natureza de suas (da fábula) nas suas diversas partes, e também abordar os demais assuntos relativos a esta produção. Seguindo a ordem natural, começaremos pelos pontos mais importantes.

A epopéia e a poesia trágica, assim como a comédia, a poesia ditirâmbica, a maior parte da aulética e da citarística, consideradas em geral, todas se enquadram nas artes de imitação. Contudo há entre estes gêneros três diferenças: seus meios não são os mesmos, nem os objetos que imitam, nem a maneira de imitá-los. Assim como alguns fazem imitações em modelo de cores e atitudes uns com arte, outros levados pela rotina, outros com a voz, assim também, nas artes acima indicadas, a imitação é produzida por meio do ritmo, da linguagem e da harmonia, empregados separadamente ou em conjunto.

Apenas a aulética e a citarística utilizam a harmonia e o ritmo, mas também o fazem algumas artes análogas em seu modo de expressão; por exemplo, o uso da flauta de Pã. A imitação pela dança, sem o concurso da harmonia, tem base no ritmo; com efeito, é por atitudes rítmicas que o dançarino exprime os caracteres, as paixões, as ações. A epopéia serve-se da palavra simples e nua dos versos, quer mesclando metro diferente quer atendo-se a um só tipo, como tem feito até ao presente.Carecemos de uma denominação comum para classificar em conjunto os mimos de Sófron de Siracusa (primeira metade do século V) criou o gênero que se chamava mímica, no qual se tentava apresentar uma imitação perfeita da vida. Estas imitações em trímetros, ou em versos elegíacos, ou noutras espécies vizinhas de metro.  E de Xenarco, que era poeta cômico. Não se conhece em que época viveu.

ARTE POÉTICA - ARISTÓTELES



                                           Segundo Sowa (2000) o filósofo vienense Franz Brentano organizou as categorias de 
                                           Aristóteles na forma de árvore, onde as categorias são os nós folhas e cujos ramos são 
                                                              rotulados por termos retirados de trabalhos de Aristóteles.

Sem estabelecer relação entre gênero de composição e metro empregado, não é possível chamar os autores de elegíacos, ou de épicos; para lhes atribuir o nome de poetas, neste caso temos de considerar não o assunto tratado, mas indistintamente o metro de que se servem. Não se chama de poeta alguém que expôs em verso um assunto de medicina ou de física! Entretanto nada de comum existe entre Homero e Empédocles de Agrigento foi um filósofo do século V. salvo a presença do verso.

Mais acertado é chamar poeta ao primeiro e, ao segundo, fisiólogo. De igual modo, se acontece que um autor, empregando todos os metros, produz uma obra de imitação, como fez Querémon que foi poeta trágico. E que viveu no século IV a.C. diz-se dele que era conhecido como poeta cômico porque introduziu cenas engraçadas em suas peças. Alguns fragmentos de tragédias escritas por Querémon chegaram até nós, entre eles: Aquiles, Tersites, Dioniso, Tiestes, Ulisses, Centauros. Parece que, assim como Homero, cantava os heróis da Guerra de Tróia a julgar pelos títulos das peças. Na Arte Retórica, Aristóteles o elogia por ser bom logógrafo, e fala do prazer que se sentia ao ler suas peças.

1. Teatro e Música. Nas origens do teatro grego, canto coral de caráter apaixonado (alegre ou sombrio), constituído de uma parte narrativa, recitada pelo cantor principal, ou corifeu, e de outro propriamente coral, executada por personagens vestidos de faunos e sátiros, considerados companheiros do deus Dionísio, em honra do qual se prestava essa homenagem ritualística.

2. P. ext. Composição lírica que exprime entusiasmo ou delírio...  Parece que Árion (séc. VII a.C.) compôs os primeiros ditirambos para o teatro. Segundo Aristóteles, o ditirambo (coro cíclico acompanhado pela dança, mímica apaixonada, música de flautas, talvez uma narrativa épica) deu origem à tragédia ática, quando Árion organizou o verdadeiro carnaval das comemorações dionisíacas, introduzindo um coro cíclico de cinqüenta personagens, que dançava e, decerto, fazia uma narrativa em celebração ao deus. Os primeiros ditirambos foram transplantados da Ásia Menor para a Grécia. A raiz da palavra Dionísio é trácia: nisos, filho. Infere-se que o ditirambo deve ter penetrado na Grécia acompanhando o culto desse deus.

Terpandro, poeta lírico dórico originário duma ilha de Lesbos chamada Antissa (talvez primeira metade do século VII a.C.), foi autor de composições musicais em que o canto era acompanhado por cítara. Era um tipo de canto religioso hierático, escrito em hexâmetros dactílicos, que se chamava nomo. Diz-se que esta foi à primeira associação feita entre a poesia e a música.

DITIRAMBO POESIA CORAL, NOMOS E IMITAÇÃO

No Centauro, rapsódia em que entram todos os metros, convém que se lhe atribua o nome de poeta. É assim que se devem estabelecer as definições nestas matérias. Há gêneros que utilizam todos os meios de expressão acima indicados, isto é, ritmo, canto, metro; assim procedem os autores de Ditirambo era poesia coral para honrar Dionísio. Segundo o dicionário Aurélio: (Do gr. dithyrambos, pelo latim Dithyrambu) s.m. , de nomos, de tragédias, de comédias; a diferença entre eles consiste no emprego destes meios em conjunto ou separado. Tais são as diferenças entre as artes que se propõem a imitação.

Como a imitação se aplica aos atos das personagens e estas não podem ser senão boas ou ruins (pois os caracteres dispõem-se quase nestas duas categorias apenas, diferindo só pela prática do vício ou da virtude), daí resulta que as personagens são representadas melhores, piores ou iguais a todos nós.

Assim fazem os poetas: Polignoto de Tasos (séc. V A.C.), foi pintor ateniense afamado. Pintou "O saque de Tróia" no pórtico (Lesque) Cnídio de Delfos, decorou o Pécile de Atenas.pintava tipos melhores; Páuson foi contemporâneo de Aristófanes, que zombou do primeiro na Acarnenses., piores; e Dionísio de Colofônia iguais a nós. A história grega registra bastante informação a seu respeito.

É evidente que cada uma das imitações de que falamos apresenta estas mesmas diferenças, e também alguns aspectos exclusivos delas, porém inseridos na classificação exposta. Assim na dança, na aulética, na citarística, é possível encontrar estas diferenças; e também nas obras em prosa, nos versos não cantados. Por exemplo, Homero pinta o homem melhor do que é; Cleofonte de Atenas (séc. V. a.C.) foi poeta trágico., tal qual é; Hegémon de Hegémon de Tasso era poeta cômico, especialista nas paródias. Viveu no século V a.C., o primeiro autor de paródias, e Nicócares que foi poeta cômico. Viveu no século IV a.C., na sua Delíade, o pintam pior. O caráter da imitação também existe no ditirambo e nos nomos, havendo neles a mesma variedade possível, como em Os persas e O ciclope de Timóteo de Mileto foi poeta lírico e músico. Sabe-se que nasceu em 446 a.C., falecendo em 356 a.C.. Era cortesão na Macedônia, pertencendo ao séquito do rei Arquelau. Chegaram até nós alguns fragmentos de suas obras; e Filóxeno de Citera foi autor dramático e lírico (438 a.C. a 381 a.C.). Fixou-se em Siracuso, na corte de Dionísio. O Velho.

É também essa diferença o que distingue a tragédia da comédia: uma se propõe imitar os homens, representando-os piores; a outra os torna melhores do que são na realidade.

O FILÓSOFO

sexta-feira, 1 de abril de 2011

FENOMENOLOGIA HILÉTICA E FENOMENOLOGIA MATERIAL

FENOMENOLOGIA MATERIAL

MICHEL HENRY
 A – No primeiro estudo, "Fenomenologia hilética e fenomenologia material" (pp. 13-59), com alguma inspiração heideggeriana, chama-se à atenção para a novidade que a fenomenologia material confere à fenomenologia clássica. Partindo de uma reflexão sobre o tempo (pois é este o único modo de pesar o como da manifestação da consciência ela mesma), atinge-se a principal questão da afetividade pura, na sua ipseidade de um pathos acósmico. As Idéias Diretoras para uma Fenomenologia, nomeadamente os §§ 851, 862 e 973 , e as Lições para uma Fenomenologia Interna do Tempo", de 1905, são os textos que vamos abordar neste ensaio. Do § 97, retoma Michel Henry a pista que conduz à conceptualização do tipo de fundação existente entre os planos noético e noemático - ponto chave da sua reflexão. 

A ciência noética e uma disciplina científica investiga a natureza e potencialidade da consciência, indicando os múltiplos métodos do conhecimento, incluindo a intuição, o sentimento, a razão e o sentidos.
A ciência noética explora o mundo exterior da mente (da consciência, da alma vivente, do espírito) é como se relaciona com o universo físico.

A palavra “noética” vem do grego “nous”, mas não temos o equivalente em português. Noética se refere ao “conhecimento interno”, uma espécie de consciência intuitiva de acesso imediato ao conhecimento e mais além do que está a disposição de nossos sentidos normais e o poder da razão.

O que é Ciências Noéticas? Ciências Noéticas são as explorações da natureza e o potencial da conciência mediante multiplas formas do conhecimento. Ciências Noéticas explora o “cosmos interno” da mente (conciência, alma vivente,espírito) e como se relaciona com o cosmo se relaciona com o cosmo exterior do “mundo físico”.

O verbo grego νοέω (infinito, νοεῖν) significa, “ver, discernimento” – a diferença do mero, “ver” – e, de tem que, “pensar”. Entre os filósofos gregos foi comum usar para designar um, “ver inteligente”, o “ver pensante”, que é ao mesmo tempo um, “instruir”. Algo é objeto de νοεῖν de quando se aprende direta e infalivelmente tal e qual é. Para Parmênides, esta apreensão direta e infalível do que é, como é, quando se identifica com o ser, segundo se expressa a famosa tese:  το γαρ αυτό νοεῖν ἔστιν τε καὶ είναι, que se traduz a míude, é o mesmo que pensar no ser. Para que algo seja objeto de νοεῖν é preciso que seja inteligível. O substantivo correspondente a νοεῖν, “nous”. “Nous” de Aristóteles, designa como a doutrina da inteligência (do intelecto, do entendimento).

Há que encontrar o "resíduo fenomenológico" fruto de uma "redução radical de toda a transcendência que liberta a essência subjacente da subjetividade" (p. 15),  da qual resulta para o autor a própria fenomenologia material chamando-se a atenção para a "estranha indecisão" de Husserl acerca do lugar próprio para tematizar sistematicamente a clivagem entre a matéria e a forma.

Existe neste conjunto de ensaios um constante retorno à obra de Husserl, citando-o sistematicamente de modo a deixar transparecer, nessas citações, as "estranhas indecisões", "absurdos", "aporias", incompletude completudes, incertezas e contrariedades no pensamento deste grande gênio da filosofia. Mas o autor admite, apesar de tudo, que alguns dos problemas por si levantados não o seriam para Husserl, nomeadamente o "problema fundamental da unidade intra-consciencial dos componentes hiléticos e intencionais do vivido", na sua relação com a subjetividade absoluta (p. 18), este primeiro ensaio vive essencialmente de uma tremenda crítica (construtiva) ao filósofo. Por outro lado, M. Henry, num estilo muito próximo do de Husserl, e com uma linguagem clara e objetivo (tanto quanto o próprio texto husserliano o permite!), vai aproveitando o modo como este torneará muitas das questões levantadas e supostamente sem resolução.

O esforço brutal da fenomenologia husserliana, brutal porque "inconsciente", teria sido a interpretação do "poder da revelação do impressional e do afetivo como tal" (p.22) na sua relação com a intencionalidade (já que a afetividade fundadora é a atividade intencional).

Com efeito, toda a relação entre a data das sensações (que a fenomenologia hilética tematiza) e a descrição dos diversos tipos de noeses e de noemas que correspondem aos modos essenciais da fenomenologia transcendental (intencional), é desenvolvida nesta obra segundo uma conexão e coerência expositivas possíveis, se tomarmos em linha de conta que o tratamento das realidades que a compõem tenta superar a dificuldade de uma exposição fragmentada, embora, no seu todo, constituam o assunto de trabalho deste professor da Universidade Paul Valéry, em Montpellier.

As “Ideen I”, teriam deixado por resolver a questão de como as data das sensações são eles mesmos dados (p.27). E isso pela "incontestável depreciação" dada ao conceito de ulh e à própria fenomenologia hilética. Para semelhante problemática seria considerada necessária uma reflexão acerca das "profundezas da última consciência que constitui o tempo", nas palavras de Husserl (p.30).

As Lições de 1905, sobre a questão do tempo, "e sem dúvida o mais belo texto da filosofia deste século" (p.31), pretenderão alcançar, num gigantesco esforço, uma filosofia da arqui-constituição, correndo no entanto o risco de perder o "Essencial" e a própria fenomenologia hilética. Será a propósito do tempo que a fenomenologia husserliana irá conhecer, em presença da Impressão, o seu mais espetacular e decisivo prejuízo. De fato, o princípio que faz ver ou revela originalmente a intencionalidade a ela mesma é a própria impressão. Daí a hilética ser tão necessária como a própria fenomenologia, já que a primeira não poderá tão-só reduzir-se a uma mera disciplina ôntica subordinada à fenomenologia transcendental - "a consciência é impressional": eis a tese que demonstra bem que a consciência se encontra impressionalmente afetada e que é ela mesma a impressão, isto é, a fenomenalidade pura como tal.

M. Henry quer denunciar a "ambigüidade intrínseca desta consciência originária" (p.35) que, não obstante ser uma impressão, não é esta que a realiza, pois, é a própria percepção que o faz, que dá o sendo, realmente (p.36 e ss.). Assim nos surge (ironicamente...) a necessidade de certa falibilidade ou nadificação ontológica da consciência originária, que as Lições tentaram esconjurar. Eis o que nos leva a uma das aporias husserlianas, já que a fenomenologia do tempo é, precisamente, uma fenomenologia da impressão. E toda a ulterior fenomenologia não dirá alguma coisa mais: toda a arqui-presença, enquanto arqui-revelação, se realiza enquanto impressão: é a "fonte originária de toda a consciência e de todo o ser" (citando Husserl, p. 47). Segundo o autor esta última questão parcial faz ver o "gênio de Husserl", ao perceber as dificuldades internas do seu pensamento.

Resta-nos a essência, quando a sensação originária foge. Resta-nos a "auto-afecção da vida" (vida da consciência intencional portanto). A temática da vida (p. 54 e ss.) será retomada no último estudo, nomeadamente na Parte 2: "Para uma fenomenologia da comunidade". O continuum da vida é o pathos da vida, a sua "carne". Conclui Michel Henry: “‘Matéria’, para a fenomenologia material compreendida na sua oposição decisiva à hilética, nada indica mais da fenomenalidade do que a sua essência. É deste modo que a fenomenologia material é a fenomenologia no sentido radical [...]" (p. 58).

MÉTODO FENOMENOLÓGICO

Edmund Husserl
 B – O segundo estudo desta obra, "O método fenomenológico", mantém o tom crítico-construtivo anteriormente anunciado. Tomando como texto de referência as Lições de 1905, proferidas por Husserl na Universidade de Götinggen, a questão orientadora é a seguinte: até que ponto os conceitos de método e de fenomenologia se devem associar?

Aproximando-se Husserl de Descartes pretende o autor recuperar o espírito husserliano de rejeição de toda a tradição, projetado a fundação do conhecimento. 

A esta questões, nos é impossível responder neste momento. Se fazemos retorno à fenomenologia histórica, compreendemos porque. Precisamente porque ela deixou indeterminadas as pressuposições fenomenológicas sobre as quais ela repousa. Porque o aparecer em direção ao qual convergem tais pressuposições não foi objeto de uma elucidação levada até o final. Do que necessita, é de um desnudar daquilo que, no aparecer, chamamos sua matéria fenomenológica pura ou ainda sua carne incandescente, aquilo que nele brilha ou incandesce. Ou todavia esta matéria incandescente não se presta a nenhum "desnudar", a nenhuma "evidência" - ao "ver" de nenhum pensamento?
 
No entanto, fundar o conhecimento é um objetivo que se delimita num círculo (vicioso), já que cada fundação é ela própria um conhecimento (duvidoso). Mas Husserl ter-se-á libertado desta aporia recorrendo ao argumento cartesiano da dúvida que não permite duvidar dela mesma. Partindo da "visão pura" ["vue pure"] do cogitatio, que lhe permite à partida ser um dado absoluto, M. Henry anuncia a absurdez dessas cogitatio real: "ela apenas é na medida em que é submetido a um olhar, a um ato de ver puro" (p.64), o que a torna dependente não dela própria mas de outro que a dá puramente. Esta absurdez determina por sua vez outra aporia que remete o puro ato de ver para o mesmo estatuto que a própria cogitatio, identificando-os.

Doutro modo, "como fundar a existência da cogitatio a partir de seus dados em pessoa numa visão pura, se esta última pressupõe esta existência prévia do cogitatio?" (p.66).

Daqui resultaria uma série de erros dos quais M. Henry considera a fenomenologia histórica uma vítima, principalmente pelo seu recurso a Descartes, na "aberrante" interpretação de que o cogito é a primeira evidência pura; o que conduz a outro erro histórico, ao erro fundamental de Husserl: ao ter deslocado a cogitatio para o campo do "olhar do pensamento" ["regard de la pensée"] fê-la com isso desaparecer em vez de a transformar num dado absoluto. Mais, Husserl confundirá ainda o ver e o visto e a própria cogitatio, que nenhuma relação tem com os dois, a primeira "omissão teórica" das Lições (p. 68).

A crítica completa-se pelo recurso ao “§ 7 de Sein und Zeit”, quando admite que a condição para que algo seja “fenômeno-objeto” de tratamento fenomenológico é, precisamente, "algo que não se mostra", permitindo perceber que o processo de pensamento não se pode tomar pelo processo da realidade. O próprio Husserl se terá interrogado sobre a possibilidade de uma reflexão sobre a redução, sobre o fenômeno puro reduzido. Com efeito, a própria reflexão só é possível pela retenção o dado é o pré-dado: o que se "vê" encontra-se "lá já" para se poder abrir a um eventual olhar (p.71).

São estas dificuldades que originam uma "perversão dos conceitos fundamentais da fenomenologia", por exemplo, o conceito de imanência (da cogitatio) que Descartes pensa sob o nome de idéia; a donação de si ("selbstgegebenheit"); ou a ipseidade.

Mas o filósofo "foi mais longe que todos os outros autores contemporâneos" (p. 75), pois nunca duvidou que a cogitatio tinha uma realidade própria, mesmo que algo indeterminado: a realidade do "reell"4, o que remete o ser para uma subjetividade absoluta.

Mas no nosso ponto de vista, a mensagem subjetiva de Michel Henry é a seguinte: a subjetividades absoluta de uma vida invisível da consciência que faz o fenômeno ser um subjectum "retirado de" (absolutum) o real... Já que, socorrendo-se de outros autores e idéias subjacentes, M. Henry aplaude ostensivamente a viragem temática das Lições, quando Husserl renuncia a uma "pretensão ontológica ultima de dar o ser" (p.81). Resta saber, digamos assim, se Husserl tinha tal pretensão e se a tinha até que ponto, com que conseqüências? Por outro lado, a questão das essências (platônicas) está de fato subentendida no texto de M. Henry, talvez por, e faça-se justiça, ela estar também subrepticiamente admitida nos próprios textos husserlianos, coisa que Husserl talvez não tivesse conscientemente admitido mas da qual tirou dividendos para a fase mais idealista do seu pensamento.

Por isso se compreende afirmações como a seguinte: "As coisas, antes da mutação temática, são as cogitationes, depois, são as suas essências." (p. 88).

Mas como é que a essência é dada?! É dada como o olhar da intencionalidade que se dirige sobre o objeto. Mas o erro mantém-se: como já vimos, não existe alguma associação entre o ato de ver puro e a cogitatio mas, muito pelo contrário, e respectivamente, uma dissociação radical entre a doação e o dado. Tal casamento visão pura/cogitatio apenas possuiria uma significação histórica.

E por encadeamento lógico surge agora a problemática da transcendência. Aquilo que a define é o conteúdo do ato de ver puro. Daí a transposição do sentido da própria redução: já não é uma redução à imanência mas à transcendência - o que para M. Henry, revela, mais uma vez (!), o "instinto genial" de Husserl para ultrapassar as dificuldades do seu pensamento (p.97).

Substitui-se então a cogitatio singular pela essência genérica. A cogitatio não pode ser vista ela mesma tal qual é na sua imanência. Há que relegar para segundo plano a realidade da cogitatio. A conclusão é simples: o método fenomenológico substitui ("por instinto") a vida transcendental pela sua essência, já que a primeira não é passível de um ato de ver puro; falta agora cumprir a teoria das essências genéricas pelo desenvolvimento da redução, que permite a Assumpção de qualquer objeto (fictício, absurdo, etc.) ser dado com evidência.

Será então possível renovar o método fenomenológico e a fenomenologia, agora que o dado em pessoa da cogitatio está desfeito (p. 105). Em última instância haverá que socorrer-se, mais uma vez, de Heidegger, com o seu famoso Seminário de Zäringhen: a já histórica colocação entre parêntesis da própria consciência, pois Husserl não terá resolvido o problema de como explicar o modo de aparecer do "referir-se a" da cogitatio.

Finalmente é retomado o “§ 7 de Sein und Zeit”, o que permite a ligação do método fenomenológico à fenomenalidade grega, ao "horizonte do ser" fazendo-se a economia da redução e rejeitando a imanência da consciência apresentando deste modo o problema fundamental da fenomenologia e da ontologia, a vida. As várias alíneas deste famoso parágrafo são analisadas por M. Henry, com o intuito de mostrar que o conceito de fenomenologia deve ser tomado no seu "sentido puramente metodológico" enquanto fenomenologia descritiva da mostração direta de qualquer processo de pensamento, como o científico por exemplo (p.119). Por conseguinte, torna-se evidente a identidade da essência do fenômeno e da sua descrição, retomando-se a questão crucial do presente estudo: a identidade do objeto da fenomenologia e do seu método.

Finalmente a última aporia sob a qual se constrói o método: como é possível uma filosofia da afetividade? - assunto discutido pela primeira vez nas Lições, a quando da conexão entre a fenomenologia e a fenomenalidade pura e original da vida, algo que para o autor a fenomenologia histórica nunca desenvolveu (apesar de, dizemos nós, a última fase do pensamento husserliano se ter dedicado à temática da Lebenswelt!). O que Michel Henry não admite é que o pathos seja uma significação vazia na essência noética da cogitatio (p. 126). Também não tolera que o correlato noemático seja irreal porque posto fora da vida, não se deixando esta constituir, nesta ordem de idéias, como vida real adentro de uma dimensão ontológica específica. É então necessário conceptualizar a "visão pura" como uma modalidade da vida segundo uma auto-afecção, já que toda a realidade possível (a natureza; o "Outro"; D-us; etc.) recebe a sua efetividade de um ser situado na "Vida"), porque é que o autor utiliza as maiúsculas?!... O "Dizer" é auto-revelação patética da subjetividade absoluta. O "Verbo" que veio ao mundo é já uma indireta dimensão teosófica digamos assim (Henry recorre a autores como Jacob Boehme...), não é o verbo grego mas a "vida escondida"! (p. 131).

Ambiguamente, este texto termina com uma referência a Marx a propósito do "trabalho vivo" e da realidade econômica, e um louvor ao método fenomenológico como verdadeiro exegeta da "inteligência do mundo"...

O OUTRO

C– O terceiro estudo desta obra, "Pathos-com", que agrupa dois textos independentes, revela mais diretamente ao leitor o pensamento de Michel Henry relativamente a uma teoria da comunidade.

O primeiro texto nasce a partir de uma reflexão sobre a Quinta Meditação Cartesiana e explora a questão do outro: como me é dado o outro na minha experiência? O autor anuncia várias proposições e trata-as sistematicamente cada uma por si. Resumindo, de igual modo, a análise husserliana da experiência do outro, que "não consiste numa simples aplicação do esquema de emparelhamento associativo obtido por empréstimo ao universo da percepção" (p. 150) - avança com uma problemática fundamental (dividida por três etapas interrogativas), a saber, como explicar que o objecto não é dado ele mesmo uma vez que não é presentado mas representado (por conseguinte, é sempre outro)?

E se diferenciar a "experiência específica do outro" da "experiência perceptiva ordinária", como considerar uma experiência do outro onde a percepção não têm nenhum papel?

Citando ou parafraseando pensamentos de Kandinsky, Kierkegaard, Leibniz, Kafka, Rilke, julga Michel Henry esclarecer a problemática husserliana da Quinta Meditação: a possibilidade de que a percepção não funda mas pressupõe uma raiz na vida transcendental donde o ego nasce, num "Fundo" próprio. E alguns textos inéditos recolhidos nos três volumes da Husserliana consagrados ao problema da intersubjetividade, são ligeiramente referidos como pista de trabalho.

O segundo texto desta terceira e última parte de Phénoménologie Matérielle de Michel Henry, surpreende um pouco pela positiva o leitor, com uma interessante e original reflexão consagrada à comunidade, partindo de pressupostos fenomenológicos. À guisa de sumário são apresentadas quatro questões de trabalho que podem resumir-se, numa média temática por assim dizer, no seguinte: o que é a realidade que "é" em comum numa comunidade e como se dá ela aos seus membros?

A essência da comunidade é a vida. Por sua vez, a vida define-se como "auto-donação num sentido radical e rigoroso, neste sentido em que é ela que dá e que é dada" (p.161). E nós, subjetividade absolutas, fazemos parte desses “dons" (!). Por seu lado, a ipseidade constituir-se-á enquanto algo de real, afetivamente real: a identidade do afectante e do afetado - não uma essência ideal ou correlato de uma intenção eidética. Em suma, a subjetividade é o principium individuationis. Na verdade, qualquer sistema político que queira anular o indivíduo numa totalidade é uma mera abstração. O indivíduo é o modo próprio de "atualização fenomenológica" da vida.

O "grande mistério" é saber explicar o porquê da intencionalidade "perceber o que se mostra no mundo como sendo um ego e lhe conferir o sentido de ser tal" (p. 165). A filosofia ocidental, polemiza o autor, pouco disse sobre os membros da comunidade, nomeadamente a partir do momento em que a metafísica moderna se centrou na representação: "eu represento algo como eu, como o meu eu ou como o teu. Por que aquilo que é posto à frente é meu ou teu?" Nada se sabe... segundo M. Henry - talvez a categoria de um tu absoluto resolvesse o (suposto) problema!?...

Socorrendo-se ecleticamente de autores como Kant, Scheler, Nietzsche, Freud, este professor pretende construir uma grelha fenomenológica base para interpretação do fenômeno da comunidade. Com Scheler, por exemplo, descobre-se uma "minúscula nuance" em relação a Husserl: foi Scheler que deu um sentido mais radical à fenomenologia do "Da-sein" como "Mit-sein", porque lhe conferiu o verdadeiro sentido patético. Foi Scheler que, contrariamente a Husserl, de modo inaudito realizou uma percepção “stricto sensu” da realidade psíquica: conceitualizou que ao se perceber o "corpo do outro" se percebe igualmente o "seu psiquismo" (p.169). E ainda a título exemplificativo, com a psicanálise do inconsciente freudiano (daquilo que se encontra fora da experiência e como tal nada é), com exemplos muito ligeiramente tratados (como a hipnose; as nefroses de transfert; as associações; etc.), pretende-se transmitir a idéia de um complexo processo de formação da comunidade humana, de que o "inconsciente" freudiano (assim como também o "animal" de Nietzsche) se mostra apenas como etapas.

A essência da comunidade confere-se a partir da imediação. A sua essência é a afetividade, o sofrer - com: é o "pathos-com" que cumpre a forma mais excelente de toda a comunidade possível. Numa bela frase do autor: "como um destino de pulsões e de afetos".

NOTAS

1. Relembremos que o § 85 de Ideen I, de Husserl, intitulado hylé (sensual), morphê intencional", apresenta a caracterização da hylé enquanto constante dos objetos na consciência do mesmo modo que a intencionalidade os movimenta. A hilética estará para a noética como a matéria para a forma. Num sentido mais radi-
cal a hylé corresponde à Urkonstitution do eu (à consciência do tempo portanto).

2. O § 86 de Ideen I, de Husserl, intitulado "Os problemas funcionais", trata da inseparabilidade dos aspectos noemáticos e funcionais da própria fenomenologia: a função, algo de absolutamente original, é fundada na essência pura das noeses.

3. O § 97 da mesma obra de Husserl, intitulado "Que os momentos hiléticos e noéticos são momentos reais do vivido, e os momentos noemáticos não-reais", explora, de modo mais sistemático, toda a dialética existente entre a hylé e o noema.

4. Neste caso teríamos, inclusive, de refletir, partindo de Husserl, acerca do valor que, para a teoria do conhecimento, a própria objetualidade possui. Pois, "do ponto de vista fenomenológico real (reell) [isto é, o conteúdo da consciência na sua imanência (o efetivamente vivido), diferentemente do termo alemão «real», isto é, a transcendência própria à coisa ou à realidade] a objectualidade ela mesma, nada é", embora seja "transcendente ao ato", "Für die reell phänomenologische Betrachtung ist die Gegenständlichkeit selbst nichts; sie ist ja, allgemein zu reden, dem Akte transzendent" (Logische Untersuchungen, V, § 20, p. 427).

De fato, para a fenomenologia pouco importa a idealidade, a verdade, a realidade (natural), a possibilidade ou a impossibilidade da objectualidade, conquanto que se admita que é "sobre ela que o ato é dirigido" (id. ibid.).

O FILÓSOFO

segunda-feira, 28 de março de 2011

QUEM SOMOS? PRA QUE SERVE A FILOSOFIA?

O Pensador
O QUE NÓS SOMOS? O que são os eventos a nossa volta? Pode­mos confiar neles? O que é a existência e a extinção? Como ser um bem-aventurado? Existe a veracidade? O que é judicioso, o que é inconveniente? Interrogação co­mo essas seguem a filantropia desde seus primórdios e tão cedo não a desistirá. Todo mundo já se fez, algum dia, interrogações desse tipo, para as quais as respostas nunca são simples. Mas então por que nos fazemos essas perguntas? Também é difícil saber.

Seja como for, deve ter sido dessa natureza questionadora dos homens que a Filosofia nasceu. Questionamento que é ainda hoje sua marca mais forte. Para a Filosofia, as indaga­ções são bem mais importantes que as respostas. Ela é, priori­tariamente, uma pergunta.

Baruch Spinoza
É esse o espírito que buscamos para este blog filosófico: sempre daremos poucas respostas do que promover interrogação sobre nós mesmos e o mundo que nos cerca. Por isso em alguns de nossos artigos privilegiamos e dedicamos a um dos maiores filósofos do último século, Baruch Spinoza, entre os que mais se dedicaram a refletir sobre a condição do ho­mem no mundo. E que tal um trajetória pelos momentos de alguns fun­dadores da ética, disciplina cuja importância não pára de crescer nos dias que correm? Bento de Espinozaברוך שפינוזה, transl. Baruch Spinoza) foi um dos grandes racionalistas do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz. Nasceu em Amsterdã, nos Países Baixos, no seio de uma família judaica portuguesa e é considerado o fundador do criticismo bíblico moderno. (também Benedito Espinoza; em hebraico:

Além disso, vale a pena saber o que um filósofo clássico, Leibniz, pensava acerca de nossa res­ponsabilidade sobre nossos atos.

Leibniz
E como ficam essa responsabilidade e nossa liberdade depois que Freud descobriu outro ser dentro de nós mesmos, o in­consciente? Você também encontrará interrogações sobre o ensino de Filosofia, esporemos alguns detalhes sobre a história da filosofia nos artigos elaborados pelo professor Carlos P. Macedo. Meus alunos, outros alunos, internautas e interessados na filosofia, conhecerá os trabalhos do Laboratório de Estudos da Intolerância, da violência, do amor, do sentimento, da atual situação caótica do mundo, de onde viemos para onde vamos,  e muito mais. Claro, não poderia faltar aquela que é a pergunta mais comum quando se fala em Filosofia: afinal, para que ela serve?

Leibniz
 Perguntar sobre a utilidade das coisas é uma mania de nossa cultura. No caso em questão, a resposta pode surpreender.
Fique tranqüilo porque tenho a intenção de responder o mais honestamente a essa questão paciência. É que, para dizer para que serve afilosofia, pre­cisamos usar a filosofia, e sem a tal paciência isso dificilmente ocorre. Queria, antes, que você pensasse comigo a respeito da seguinte questão: o que é uma coisa quando ela serve para algo? Um martelo é um instrumento usado na fixação de pregos. 

FILOSOFIA
 Uma auto-estrada é um meio pelo qual pessoas e mercadorias podem se locomo­ver numa cidade ou entre cidades. Quando, portanto, perguntamos para que serve a filosofia, temos uma série de noções guardadas em silêncio a respeito dela e do mundo. Acontece que, se essas noções são corretas na maioria dos casos, talvez não sejam no que se refere à filo­sofia. Talvez exatamente por isso é que não encontramos com facili­dade a resposta certa para a bendita pergunta. E que noções são essas?

Quando perguntamos para que serve a filosofia supomos que ela seja um instrumento, como um martelo, ou que seja um meio, como a auto-estrada. Sabemos que sem o martelo o marceneiro pouco pode fazer em seu trabalho.

FILOSOFIA DA ESTRADA
Do mesmo modo, sem auto-estradas a cidade se tornaria um caos. Dizemos, então, que o martelo é importante para o serviço de marcenaria. Que a auto-estrada é importante para a ordem urbana e o progresso do país. Guardamos em silêncio, portanto, a idéia de que a importância de algo se mede por sua utilidade. Por isso não perguntamos, simplesmente, qual a importância da filosofia. Cortamos o caminho e ganhamos tempo indagando logo para que serve, qual sua utilidade. O erro que há nisso é pensar que a filosofia possa mesmo servir...

 Então não serve? Vamos com cal­ma. As perguntas que fazemos nun­ca nascem do nada, não estão pron­tas desde toda a eternidade. Por isso, jamais são tão inocentes quanto, por vezes, parecem. Perguntas são mo­dos de falar. Falar é um modo de relacionar-se com o mundo. É por­que vivemos desta e não de outra maneira porque fazemos essa e não ou­tra pergunta. Poderíamos até contar a história de todos os povos a partir do recenseamento das questões que eles se colocaram. 

Auto-estrada  e a filosofia
 história, decer­to, é o conjunto das providências to­madas pelos homens para atender às suas necessidades. Mas a história é também o conjunto das invenções de novas necessidades. Houve um momento em que as pedras já não mais satisfaziam todo o interesse de quem escrevia, e então alguém se perguntou se não seria possível es­crever sobre outras superfícies. Essa pergunta, note, não teria cabimento se já não estivéssemos dentro de uma forma de vida da qual fazia parte o ofício de escrever. Assim, vale a pena nos indagar sobre que forma de vida é essa nossa que nos faz jul­gar necessária a pergunta "para que serve a filosofia?"
CULTURA UTILITÁRIA
Seria o caso de perguntar por que, diante de algo que não conhecemos ou conhecemos pouco, pen­samos que saberíamos mais se sou­béssemos para que serve esta coisa? Se não estou enganado, isso ocorre porque vivemos numa civilização na qual o conhecimento é produzi­do de modo a privilegiar sua utiliza­ção.

Se na física, por exemplo, os co­nhecimentos são produzidos em condições que, de uma maneira ou de outra, acabam tendo uma utilidade prática, então é lícito questio­nar para que servem os conheci­mentos produzidos pela filosofia se é que se pode chamar de conhe­cimento o que ela produz! Mas será que pensamos desse modo de uma hora para outra? Qual o processo histórico que nos ensina que é as­sim que devemos pensar?

O processo histórico que nos deixou na situação de olhar para al­go sempre em vista de saber sua uti­lidade foi produzido sob certa noção de racionalidade. A racionalidade é o modo como traçamos a relação entre nossa inteligência e o mundo. Julgamos que seríamos tanto mais o inteligente quanto mais dominássemos as forças da natureza.

Sob esse pretexto, esse empreendimento se tornou, ao longo do tempo, a for­ma mais cruel de depredação. Pen­sar era, nesse contexto, tomar provi­dências para tirar o máximo de pro­veito dos recursos naturais, sem a menor preocupação em sarar as fe­ridas que essa extração provocava no meio ambiente. Uma delas é o superaquecimento da Terra, uma ameaça que põe em risco o futuro da humanidade.

Mas não é só. Co­mo alguém já disse, a primeira coisa que o homem tocou para dominar foi à mulher. Ou seja, seu semelhan­te. E quando pensamos que a busca da dominação do meio externo exa­cerba-se na dominação da natureza interna do homem (seu SER), logo começamos a entender eventos co­muns em nossos dias, como a vio­lência, . Eventos que atrapalham a possibilidade de uma forma de vida passível de ser chamada de feliz. A felicidade ultrapassa toda noção de utilidade porque é um bem em si: ninguém quer ser feliz para outra coisa, ser feliz não serve para al­cançar algo mais além. Mas a cul­tura utilitária de nossa civilização deturpa a idéia de felicidade, e nos faz pensar que seremos tanto mais felizes quanto mais soubermos uti­lizar as pessoas, como o primeiro homem utilizou a mulher, e os filhos e os mais fracos, para destruir a na­tureza e a nós mesmos depois.

 
EXERCÍCIO DE LIBERDADE

É, pois, porque vivemos numa civilização das vantagens (sobre a in­felicidade alheia) que somos levados a perguntar para que serve isso e aquilo e também a filosofia.

Jogare­mos fora, então, a pergunta? Dire­mos, então, que a filosofia tem a ver, como tem, com certo exercício de li­berdade? Que a filosofia, toda vez que serve, deixa de ser filosofia, por­que abandona sua liberdade? Que, neste sentido, a filosofia não serve a ninguém nem a nada? Diremos que a filosofia é uma forma de felicidade? É possível.

Mas o leitor que chegou até aqui está longe de ser tolo, e pode perfeitamente retrucar: não pergun­tei a quem serve a filosofia, ou a quê, mas o que posso fazer com ela e, se não posso fazer nada com ela, o que ela pode fazer comigo.

Digamos, en­tão, que a filosofia, como exercício de liberdade, pode nos ajudar a nos livrar de saberes preconcebidos, acei­tos sem questionamentos, e que, exa­tamente por não terem sido discuti­dos, impedem a possibilidade de nos relacionarmos de uma forma dife­rente com o mundo.

Assim concebida, a filosofia não é bem um saber que possamos uti­lizar aqui ou ali. É, isto sim, um fa­zer (uma forma de pensar) que nos ajuda a escolher que saberes podem (para o bem ou para o mal) uti­lizar, seja em que circunstância for. Se, ainda assim, você quiser pensar na filosofia como um instrumento, digamos que ela seria uma espécie de "desconfiômetro", uma peça de nossa inteligência utilizada para não engolirmos a primeira certeza que nos oferecerem como sendo uma verdade indiscutível. Serve, por exemplo, para nos estimular a suspeitar de que a importância de algo está em sua utilidade, e assim descobrirmos que é porque não é útil que a filosofia é importante.

Quando aprendemos a pensar para além do modo como nos ensi­naram que seria o certo, quando duvidamos de nossas certezas abso­lutas, quando não abrimos mão de nossa liberdade e quando indaga­mos se isso que chamamos "nossa liberdade" é mesmo uma liberdade pode ficar em alerta porque esta­mos pondo para funcionar o des­confiômetro da filosofia. Estamos começando a filosofar.

É isso e muito mais que você, leitor, descobrirá neste blog feito pra você. Esperamos que você leia, sugira, es­creva. Mas, sobretudo, desejamos que tudo o que está publi­cado lhe sirva de inspiração para novas indagações e questionamentos. Ou seja, para a vivência da Filosofia.
Um abraço, O FILÓSOFO